Marcelo Soares
[ATUALIZAÇÃO: Em 4 de novembro de 2023, um ano após esta homenagem feita no Coda.br, Philip Meyer morreu de complicações decorrentes do mal de Parkinson. Havia completado 93 anos apenas cinco dias antes. Deixa três filhas, Kathy, Melissa e Sarah, vários netos, alguns bisnetos e seis livros, dois deles com mais de uma edição. Também deixa muitos ex-alunos, amigos, colaboradores e admiradores do seu trabalho.]
Em maio de 1973, quando os Estados Unidos assistiam às audiências do Senado sobre o caso Watergate, chegava às livrarias norte-americanas um livro curioso: "Precision Journalism".
Nele, um experiente repórter de política, reconhecido pela cobertura que fez de revoltas raciais em Detroit usando pesquisas de opinião processadas num computador que ocupava uma sala inteira, defendia que jornalistas precisavam conhecer e adotar técnicas de pesquisa quantitativa já usadas pelas ciências sociais.
Em 2000, a revista Journalism and Mass Communication Quarterly incluiu o livro na lista das 35 obras sobre jornalismo mais significativas do século 20. Mas ainda levaria alguns anos para que suas ideias deixassem de ser tratadas como algo semelhante à ficção científica, algo restrito a apenas alguns nerds.
Nem Philip Meyer sabia, mas era o começo do jornalismo de dados, essa grande novidade que já completa 50 anos e hoje reúne centenas de participantes em eventos ao redor do mundo.
O livro já teve quatro edições, a mais recente publicada há 20 anos. Os exemplos, especialmente os escritos em linguagem de programação (BASIC), podem ter perdido alguma atualidade, mas o raciocínio exposto por Meyer permanece mais atual do que nunca.
Desde 2005, a Investigative Reporters and Editors oferece o Philip Meyer Award, que reconhece os trabalhos mais sofisticados feitos por jornalistas, honrando a ambição da proposta feita por Meyer há meio século. Poucos trabalhos a atingem.
Nos depoimentos abaixo, concedidos a mim, você ouvirá amigos, alunos e colegas de Philip Meyer contarem histórias sobre essa trajetória e o impacto que as ideias do mestre tiveram no jornalismo. Eles foram coletados para a sessão especial do Coda 2022 em homenagem a Meyer. Por motivo de gestão do tempo, nem todos puderam ser usados no dia.
Você ouvirá histórias sobre como Meyer torna simples conceitos complexos de estatística para pessoas que julgavam ser "de humanas". Ouvirá as saborosas histórias de quem já fazia jornalismo de dados com cartões perfurados ou com um microcomputador da Atari. Em comum a todas essas histórias está a gratidão pela imensa generosidade do professor.
Se você não acredita que um livro pode mudar uma vida, você precisa ouvir esses depoimentos. E, se achar pouco, aqui vai mais um.
Eu estava no segundo ano da faculdade de jornalismo, na UFRGS, quando encontrei um livro curioso na biblioteca - "The New Precision Journalism", a terceira edição do clássico. Li duas, três vezes seguidas. E resolvi escrever a Meyer, a um só tempo intrigado com a ideia e triste porque no Brasil não tínhamos bancos de dados organizados como nos EUA. A resposta dele foi: "comece desde já a organizar seus próprios bancos de dados". Em 1998, um mês antes de o Google abrir a busca ao público, saía minha primeira reportagem com análise de dados.
É o que venho fazendo desde então. Se você conheceu a Lagom Data pelo trabalho inicial com os dados da Covid, em que coletávamos os dados da doença nos municípios estado por estado desde a primeira semana, estava lá o eco das palavras de Meyer. Minha carreira não existiria sem aquele livro. A Lagom Data não existiria, tampouco. Nem mesmo a primeira conversa que tive com minha companheira teria acontecido.
A curadoria desta homenagem é apenas uma pequena retribuição por tudo o que Phil fez pela melhor profissão do mundo ao longo dessas cinco décadas.
Assista abaixo ao vídeo completo da sessão (1h30) e aos vídeos mais curtos com os depoimentos específicos. Se você quiser baixar um pôster para impressão, com o cartum feito por Flávio Soares especialmente para o evento, clique aqui.
Introdução
"They are raising the ante on what it takes to be a journalist"
Al Shuster
Ex-editor de Internacional do Los Angeles Times, foi colega de Phil na bolsa Nieman em 1966
Jim Steele
Veterano repórter especializado em como a tributação acentua a desigualdade, foi orientado por Phil em 1971
Wendell Cochran
Ex-diretor da Investigative Reporters and Editors, foi da primeira turma que usou o "Precision Journalism" na pós-graduação
Steve Doig
Inspirado em "Precision Journalism", ganhou um Pulitzer pela cobertura dos estragos do furacão Andrew em Miami, em 1993.
Brant Houston
Primeiro diretor da NICAR, ex-diretor do IRE e entusiasta dos primeiros anos da Abraji, foi um grande interlocutor de Phil
Cheryl Philips
Hoje diretora do Big Local News, era repórter do USA Today quando aprendeu a fazer reportagens com o uso de dados com Phil
Sarah Cohen
Presidente do comitê do Philip Meyer Award, era diretora da NICAR quando Phil ministrava bootcamps de estatística
Jennifer LaFleur
Editora do Center for Public Integrity. Foi assistente de Phil Meyer em seus bootcamps de estatística
Shawn McIntosh
Hoje diretora do Atlanta Journal-Constitution, criou junto com Philip Meyer um índice de diversidade racial no USA Today
Paul Overberg
Repórter do Wall Street Journal, colaborou com Meyer numa atualização do índice de diversidade racial, em 2000
Aron Pilhofer
Professor de Temple e primeiro editor de jornalismo de dados como conhecemos hoje, foi aluno de Phil Meyer
Alberto Cairo
Professor da Universidade de Miami e reconhecido mestre da infografia em ao menos três países, estudou a obra de Meyer e quase foi seu colega
Outros testemunhos
Colegas, amigos e ex-alunos de Meyer contam o impacto que o mestre teve em suas vidas