Tramita no Congresso desde março um projeto de lei que propõe a retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal. Dessa maneira, proprietários rurais do estado poderiam desmatar 45% a mais de suas terras e continuar de acordo com o Código Florestal.
Hoje, donos de imóveis localizados nessa região que abarca nove estados brasileiros devem preservar 80% de sua área, enquanto a cifra para o resto do país fica em 35%.
Levantamento da Lagom Data para a Plataforma Cipó –instituto de pesquisa independente liderado por mulheres e dedicado a questões de clima, governança e paz– mostra que o autor dessa proposta, o deputado Juarez Costa (MDB-MT), e também o relator, Neri Geller (PP-MT), receberam doações de infratores ambientais, assim como mais da metade dos parlamentares eleitos no estado. Essa foi a manchete da agência internacional de jornalismo ambiental Mongabay em 15 de setembro.
O estudo considerou infratores ambientais aqueles que foram alvos de multas ou embargos como pessoa física ou a partir de empresas das quais são sócias de órgãos socioambientais na Amazônia Legal. A área abarca os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, e as sanções são justificadas por desmatamento, licenciamento fundiário irregular, entre outros motivos
Das 422 candidaturas ao Congresso Nacional, à Presidência, a assembleias legislativas e governos estaduais que receberam doações de pessoas sancionadas por infrações ambientais na Amazônia Legal, 156 (37%) se elegeram em 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os dados são alicerce do relatório “Dinheiro, poder e leis: financiamento de campanha por infratores ambientais na Amazônia Legal e proposições legislativas no Congresso Nacional”.
O número abre margem a duas principais interpretações: ser financiado por infratores ambientais facilitou o sucesso eleitoral, visto que apenas 6% das candidaturas aptas chegaram a cargos eletivos naquele ano, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE); ou esses doadores direcionaram seus recursos aos candidatos mais viáveis para otimizar sua capacidade de influência.
Como pode ser visto no gráfico abaixo, os doadores identificados pela pesquisa focaram a maior fatia dos recursos para o Mato Grosso (R$ 6 milhões), o estado campeão de terras embargadas por infrações ambientais no país, e lá ajudaram a eleger o maior número de representantes no Poder Legislativo e no Executivo.
Dos 62 candidatos que receberam recursos financeiros de infratores no estado, 19 foram eleitos. O valor representa metade da Assembleia Legislativa do estado (12 de 24), cinco dos oito deputados federais lá eleitos, um dos dois senadores que representam Mato Grosso, além de seu governador.
A pesquisa depois cruzou registros de autoria e coautoria de projetos de lei (PLs) com potencial impacto socioambiental com os dados sobre candidatos financiados por infratores e concluiu que 16 deputados da Amazônia Legal, como Geller e Costa, além de cinco senadores da região foram autores ou coautores de PLs que representam risco ao meio ambiente.
Receberam recursos de infratores ambientais, filiados de 26 dos 31 partidos legalizados em 2018 e que participaram daquela eleição.
O instituto Cipó utilizou esses e outros dados, que podem ser consultados em tabelas e gráficos interativos disponíveis nesta página, para recomendar a gestores de políticas públicas que aumentem a transparência de dados socioambientais, facilitem o controle e participação social, ampliem o acompanhamento de pautas da área e dificultem a emenda de matérias estranhas ao tema –os conhecidos jabutis.
A íntegra das recomendações e mais análises podem ser encontradas no relatório completo da pesquisa “Dinheiro, poder e leis: financiamento de campanha por infratores ambientais na Amazônia Legal e proposições legislativas no Congresso Nacional”.